quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Refletindo sobre o tema da festa



O tema da nossa festa esse ano (2009) é "À imagem d'Aquele que me criou, eu quero ser", o mesmo tema do nosso Reencontro e o lema escolhido para o nosso ano. Para alguns esse tema mais parece um bicho cabeludo teológico, algo muito intelectual, e para outros pode parecer algo muito banal. Mas não é bem assim. Estive refletindo ao longo do ano sobre essa proposta que nós, do Pequeno Secretariado, colocamos como meta para o nosso ano, e creio que, em virtude da festa, e também do curso novo (36º CLJ1) que não participou do nosso Reencontro, cabe refletirmos um pouco mais sobre essa frase: "À imagem d'Aquele que me criou, eu quero ser". Nunca é demais pensar no assunto.

Em primeiro lugar é interessante pensarmos de onde surgiu essa idéia.

Estávamos nos reunindo no início do ano para montar o nosso Reencontro e sentimos a necessidade de buscar um foco, uma meta para o nosso ano, algo que pudesse ser expresso por um lema. Percebemos também que uma coisa é um tema e outra um lema. O tema é mais o conteúdo, o lema é mais aquela frase de impacto que nos faz aderir ao tema de fundo.

Em nossas conversas com o Padre Lívio, surgiu a reflexão de que o propósito de nossa perseverança no movimento é a de nos tornarmos mais cristãos, mas não só isso. O propósito é também nos tornar mais humanos. Sim. Interessante é que, depois, chegamos a conclusão que uma coisa leva a outra, se é que não podemos dizer que ser humano e ser cristão são uma e não duas realidades.

Então pensamos que o tema deveria ser algo como "Humanidade Cristã". "Humanidade" pois tinha a ver com essa perspectiva de que precisamos aperfeiçoar aquilo que é naturalmente humano em nós e "Cristã" porque essa natureza humana está definitivamente orientada em uma perspectiva cristã. E isso significa que o conceito de "humano" deve ser definido levando em conta o modelo cristão de humano. E qual é o modelo cristão mais perfeito de ser humano? A resposta é evidente: Jesus Cristo! 

Jesus Cristo é o modelo perfeito de como um ser humano deve ser. Por isso a Igreja afirma que Cristo "é o homem perfeito, que restitui aos filhos de Adão a semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado. Já que, nele, a natureza humana foi assumida e não destruída, por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado." (Gaudium et Spes,nº22).Desse modo percebemos que o critério pra definirmos o que é plenamente humano é a humanidade de Jesus Cristo.

Mas não paramos aí. Fomos além. Sabíamos que então essa questão da "humanidade cristã", essa busca por ser mais parecidos com Jesus Cristo, no que diz respeito a sua humanidade, era o nosso tema e nossa meta, mas precisávamos de uma frase de impacto. Até que surgiu o lema "À imagem d'Aquele que me criou, eu quero ser", que no fundo expressa tudo isso.

Qual é o desejo de Deus desde toda a eternidade para nós? Que fôssemos como seu Filho. Não é isso que significa ser a imagem se semelhança de Deus? Pois a Igreja também nos afirma que "Adão, o primeiro homem, era efetivamente figura do futuro , isto é, de Cristo Senhor" (Gaudium et Spes, nº22). Pois como diz São Paulo, Cristo é "a imagem do Deus invisível, o Primogênito  de toda a criação" (Col 1,15). Portanto a imagem visível de Deus é Cristo. "Jesus, rosto divino do homem... Jesus rosto humano de Deus..." é o que diz a música Sacramento da Comunhão.

E não somos nós feitos "à imagem e semelhança" (cf. Gn 1,26) de Deus? "Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher" (Gn 1,27).  Mas em que consiste essa imagem e semelhança? Não é, portanto, o que foi dito acima, que Adão, ou seja, todos nós, homens e mulheres que vêm da terra (pois Adão significa "feito da terra, do barro") somos feitos a partir de um modelo do novo Adão, ou seja, Cristo? Ser imagem de Deus é ser como Cristo.

Esse é um pouco o sentido, que tínhamos em mente ao escolhermos o lema “À imagem d’Aquele que me criou, eu quero ser”. Mas o sentido não se esgota aí. Durante a nossa preparação para o Reencontro, durante o Reencontro, e durante o ano, tivemos a oportunidade refletirmos ainda mais sobre esse assunto tão profundo. Por exemplo, a frase “À imagem d´Aquele que me criou, eu quero ser”, na verdade é composta por duas frases separadas:

(1) À imagem d’Aquele que me criou; e
(2) eu quero ser.

Se pararmos e lermos com atenção poderíamos nos questionar: Mas se Deus nos fez à sua imagem então porque estamos dizendo que queremos ser, se já o somos? Porque desejar o que já possuímos? Ou será que estamos dizendo que não somos imagem de Deus?

Na verdade o que queremos expressar nessa frase é que por causa do pecado, que nos desumaniza, nos desfigura enquanto humanos, é como se a imagem de Deus que existe em nós, portanto a nossa semelhança com Cristo, ficasse distorcida. Todos nós, certamente, podemos concluir que estamos muito distantes de sermos semelhantes a Cristo. Em muitas coisas ainda somos até o oposto dele. Portanto, perdemos este estatuto primordial de sermos plenamente (eu disse plenamente!!!) imagem e semelhança de Deus. Isso é a condição de pecado que todos nós estamos submetidos. Mas o pecado não consegue destruir totalmente esta imagem de Deus em nós, apenas a distorce. Mas isso já é o suficiente para que muitas vezes não consigamos ver a imagem de Deus em nós ou nos nossos irmãos. Mas foi justamente para restituir esse estado de dignidade original do homem, que o Filho de Deus se fez um de nós, morreu e ressuscitou.

Aos poucos, através do batismo, da vivência da fé e da caridade, que é o amor, e com a ajuda dos demais sacramentos, de modo especial da Eucaristia e do Sacramento da Reconciliação (Confissão), nos configuramos a Cristo, ou seja, nos tornamos mais semelhantes a Ele, pois somos incorporados à Cristo. É um mistério gigantesco, que nem somos capazes de compreender completamente.

Hoje, eu percebo que dizer que queremos buscar sermos a imagem de Cristo é um outro jeito de dizer que queremos ser santos. Por que só Deus é Santo. A santidade é ser essa imagem de Deus, de Jesus Cristo.

Outra reflexão que cabe é que alguém desinformado poderia confundir as coisas ao ler "À imagem d’Aquele que me criou..."  pensasse apenas que Deus Pai é criador. Mas o próprio evangelho de São João afirma, logo no seu prólogo, que “No princípio era o Verbo” (ou seja o Filho) “e o verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus... e tudo foi feito por ele e sem ela nada foi feito” (Jô 1, 1.3). Portanto, é através do Verbo Eterno, do Filho, que o Pai cria o mundo, o homem (claro, nada sem a ação do Espírito Santo também!). E São Paulo também diz: “Nele (Cristo) foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as criaturas visíveis e invisíveis” (Col. 1,15). É por isso que ser imagem “d’Aquele que me criou” significa também ser a imagem de Cristo, que é o Verbo criador.

Mas como escrevi antes, o lema é constituído por duas frases. A primeira delas já falamos bastante. É a parte divina, digamos, da coisa. É o plano de Deus, o projeto de Deus para nós. Ele nos quer à sua imagem, ou seja, tal como seu Filho, Jesus. Mas Deus não impõe isso a ninguém. Isso tanto é verdade que nos fez livres. O livre-arbítrio é uma das características mais importantes do ser humano. Podemos escolher se queremos aderir a este projeto de Deus para nós, se queremos aceitar o plano de amor de Deus ou não. Podemos não aceitar. Esse "não", seja ele consciente ou não, é o pecado. O "sim", é a busca da santidade. Portanto a segunda frase, o “eu quero ser”, é a nossa resposta a Deus, ao seu chamado, ao seu plano de amor, ao seu apelo.

É por isso que esta segunda parte do nosso lema é mais voltado para nós. É nós que temos que decidir se queremos ou não ser imagem de Deus. Até porque Deus é tão bom, que nos deu a liberdade de inclusive deixarmos de ser a sua imagem se assim o quisermos. Nisso consiste a condenação (o inferno se assim preferir chamar este estado), abandonar totalmente a Deus e aquilo que ele depositou de Si mesmo em nós.

É por isso que é preciso o "querer". A vontade humana precisa atuar nesse processo, pois se não for assim não há liberdade legítima, e seriamos apenas fantoches e não é isso que Deus quer de nós. Quer nossa adesão espontânea e livre. Até para dizer “que seja feita a Tua (Vossa) vontade” do Pai Nosso, é preciso liberdade, é preciso que nossa vontade, ou seja, nosso querer, queira isso. É preciso que o meu querer seja o querer de Deus. É o que os Santos Padres diziam: “quero querer o querer de Deus”. Querer fazer a vontade de Deus não significa apenas se submeter a vontade de Deus e dizer “Que seja feita a Tua vontade!” e depois pensar “Mas que droga! Essa não é a minha vontade!”. Se assim fosse, não haveria liberdade e portanto seriamos como que escravos. Mas Deus nos quer livres. Por isso, querer que a vontade de Deus se realize significa que a minha vontade tem de ser a mesma de Deus. Eu tenho que querer também o que Deus quer para mim.

Mas a escolha é sempre individual. É por isso que a frase do nosso lema é eu quero ser” e não nós queremos ser”, o que não estaria errado também, mas para que exista o “nós” precisa antes existir o “eu”. Portanto, eu tenho que querer ser essa imagem de Deus. Eu tenho que querer ser como Cristo. Por isso também, quando professamos nossa fé na missa dominical, dizemos “Creio em Deus Pai...”. Não dizemos "nós cremos", pois cada um tem que dizer isso por si mesmo. Ninguém pode acreditar pelo outro. Assim como ninguém pode querer pelo outro. Mas assim como o crer individual desemboca numa fé comunitária, a vontade individual também se propõe a ser uma vontade comum de todos os cristãos. Por isso propomos para este ano esse lema. É uma proposta do Pequeno Secretariado para que possamos viver como Cristo. Mas a cada cabe adotar essa proposta ou não. A formulação é nossa, mas a proposta que está por detrás é desde sempre de Deus. Por isso as formulações mudam, mas a meta deve ser sempre a mesma, a santidade, o amor, a vida em Deus...

"Quero ser como o meu Senhor, nas palavras e na vida fazer como ele falou... Quero ser como o meu Senhor, e por onde eu passar deixar marcas de amor..." . Cantávamos da capela final do nosso Reencontro.

Por isso cabe a cada um se perguntar: Eu quero ser a imagem de Deus no mundo? Eu quero ser semelhante a Cristo? Quero deixar marcas do amor de Cristo por onde eu passar?

A resposta, como disse é individual.

E você, o que você está fazendo para ser mais semelhante a Cristo? 
Você já aderiu ao lema "A imagem d'Aquele que me criou, eu quero ser?"

Eu pergunto então:

À imagem d’Aquele que te criou, você quer ser?

É hora de parar e refletir.

Shalom!!!

Thiago Delaíde